6- Audiocenas
Essa felicidade, esse entorpecimento que
Salomão causa, é produzida por meios bem identificáveis, sendo a manipulação do
sons e seus efeitos sobre a audiência uma estratégia recorrente e eficiente.
Voltando ao começo da trajetória do maravilho
soberano, vemos que logo após sua unção como rei, houve manifestação pública e
sonora, tudo indicado por David, o mestre da música[1]:
"Então Davi mandou busca o sacerdote Zadoque, o profeta Natã e Benaías,
filho de Joada. Quanto entraram , Davi disse: "Levem com vocês os
funcionários do meu palácio e façam o meu filho Salomão montar a minha própria
mula e o levem até a fonte de Giom. Ali Zadoque e Natã o ungirão rei de Israel.
Depois toquem as cornetas e grite: 'Viva o rei Salomão' (I Reis 1:32-34)".
Após este ruidoso ritual executado, "todos foram andando atrás de Salomão,
gritando de alegria e tocando flautas; e faziam tanto barulho, que até parece
que a terra estava rachando (I Reis 1:40)".
Essa produção sonora não se restringe ao
grupo que a efetiva ou ao lugar em que ela acontece. A massa sonora chega aos
ouvidos da oposição: " Adonias e todos os seus convidados tinham acabado
de comer quando ouviram aquele barulho. Joabe ouviu o som da corneta e
pergunto: - O que quer dizer essa barulhada da cidade?"
O som chega antes de seu significado, da
visualização de sua fonte: a aclamação de David que toma conta da cidade chega
aos ouvidos do pequeno grupo aliado ao legítimo e autodeclarado sucessor de
David. Primeiro esse grupo ouve as manifestações populares para depois, com a
chegada de um mensageiro, entender o que está acontecendo. O poder de Salomão é
antecipado por seus audíveis efeitos.
Após ter conhecimento da situação, o temor
toma conta da festa em torno de Adonias: "Então os convidados de Adonias ficaram
com medo e se levantaram, e foram embora, cada um pelo seu caminho. Adonias
ficou com muito medo de Salomão ( I Reis 1:49-50)."
A música e o ruído aqui geraram respostas
emocionais opostas: enquanto a adesão a Salomão cresce, temos muito som e muita
alegria; do outro lado, ao juntar a fonte do som com aquilo que ouviu, o grupo
pró Adonias se desfaz em pavor, deixando o postulante ao trono abandonado.
O contexto da produção desse som vem de
uma tecnologia psicagógica testada no serviço religioso[2].
Há a junção entre política e religião. Os sacerdotes ungem Salomão e os
instrumentos musicais são tocados. O som dos instrumentos depois se conjugam ao
sons das vozes e dos ruídos das pessoas.
Não é por mero detalhe que o sábio e rico Salomão depois terá composto
"mais de mil canções (I Reis 4:32)". As pessoas vêm até ele para
vê-lo e ouvi-lo.
O palácio se transforma no palco de
Salomão. As amplas dimensões do complexo
palaciano com seus salões projeta não apenas depósitos de coisas e pessoas que
serão admiradas visualmente: bichos, pessoas e coisas são fontes sonoras. Um
harém com 1100 mulheres, os cavalos, os macacos, os copos, o vai-e-vem de
servos e visitantes, os músicos, as festas, os banquetes - nada disso parece
existir em uma câmara
[1]
Em I Crônicas 25:1-31 há uma
detalhada organização da música do templo, elaborada por David, mostrando a
importância da exploração das sonoridades não apenas nos serviços religiosos,
por organizar o que se fazia na adoração era também direcionar sua recepção, o
que acontecia fora do templo. E David não só determinou como a parte musical do
serviço religioso seria realizado como também precisou quais e como os
instrumentos seriam construídos ( I Reis 23:5).
[2]
Psicagogia- "guiar as
almas". V. Platão Fedro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário