quarta-feira, 8 de junho de 2016

análise textual IX. A rainha de Sabá

5- A rainha de Sabá
O distorcido reino de Salomão, com sua mistura de opulência, privilégios e exploração econômica atraia pessoas do mundo inteiro, segundo o relato bíblico. Entre elas, temos a rainha de Sabá, que vem com sua comitiva conhecer e interrogar o famoso rei " A rainha de Sabá ouviu falar da fama de Salomão e foi até Jerusalém a fim de pô-lo a prova com perguntas difíceis. Ela chegou com um grande grupo de servidores e também com camelos carregados de especiarias, pedras preciosas e uma grande quantidade de ouro ( I Reis 10:1-2)."
Pelo relato, pode-se perceber que a rainha não apenas vem trazes presentes e sim competir com Salomão, tanto em riqueza como em sabedoria. Ou seja, ela é um Salomão de outro lugar, que vem se defrontar com seu rival. Com isso, decifrar o complexo de imagens da rainha de Sabá é compreender a construção da imagem de Salomão.
A inominada rainha vem de um reino situado na península arábica. A liderança de uma mulher pode sugerir uma linhagem matrilinear. A sua caravana e o luxo em volta vincula a dimensão fabular do reino de Salomão a das histórias de mil uma noites de tradição oriental.
Como uma igual e estrangeira, a rainha passa a examinar o complexo palaciano de Salomão : "A rainha de Sabá ouviu a sabedoria de Salomão e viu o palácio que ele havia construído. Ela viu a comida que era servida na mesa dele, viu os apartamentos dos seus altos funcionários, e organização do pessoal que trabalhava no palácio e os uniformes que eles usavam. Viu os empregados que o serviam nas festas e os sacrifícios que ele oferecia no templo. Isso tudo a deixou de boca aberta e muito admirada (I Reis 10:4-5). "
Funcionando como uma câmera, ela vai mostrando para o leitor parte da dinâmica de fausto que organiza o palácio. Não se trata apenas dos signos materiais da riqueza e sim de um senso de ordem, de hierarquia. A distribuição de funções e sua realização manifestam uma centralização eficiente. O trabalho dentro do palácio, o cumprimento das tarefas registra o poder real em cada ação.  Mais do que ouvir falar, agora a rainha de Sabá é uma testemunha dos efeitos desse poder. E ela mesma é afetada, pois fica sem ar, sem falar, como que tomada pela excesso da visão que contempla. Por incrível que pareça, a fabulosa rainha de Sabá é quem vai dar credibilidade ao fantástico reino de Salomão.
Nesse sentido, recuperado seu fôlego e razão, ela de sua boca afirma: "Tudo aquilo que eu ouvi no meu país a respeito de você e da sua sabedoria é, de fato, verdade. Porém eu não pude acreditar até que vim e vi com os meus próprios olhos. Acontece que não tinham me contado nem a metade. A sua sabedoria e a sua riqueza são muito maiores do que ouvi dizer. Como são felizes as suas esposas! Que sorte têm os seus servidores, que estão sempre ao seu lado e têm o privilégio de ouvir os seus sábios provérbio! (I Reis 10:6-8)."
Refazendo o percurso, a rainha de Sabá sai de seu reino onde deveria ser o Salomão de lá para encontrar o Salomão daqui, impulsionada pela fama, por um relato sobre as riquezas e sabedorias do rei. Antecipando em imagens e sonhos em sua cabeça, ela constrói um Salomão para si e contra esse Salomão ela monta uma caravana luxuosa para impressionar, para tirar o foco de seu alvo a partir da procissão que fará em Jerusalém. A sua pompa será maior. Os presentes indicarão que ela possui muito mais que oferta. 
Então dá-se o assombro, o estranhamento. Como vimos no diálogo/barganha com Deus (I Reis 3:5-15), Salomão age surpreendendo, indo além do esperado. O mesmo com seus inimigos mortos e com o julgamento das duas mulheres. Aqui há uma moldura teatral: aquilo que se mostra busca causar uma impressão que ultrapassa as expectativas das pessoas em relação à figura de Salomão. O mundo coreografado dentro do palácio, os cenários do complexo palaciano, as ações como lances de teatro- dramáticas, repentinas, o figurino, os adereços, tudo, enfim, induz a um direcionamento da recepção.
E o efeito na rainha de Sabá é que o relato sobre Salomão não chega perto da real figura do soberano. Pois o soberano não é uma pessoa, mas a extensão de sua órbita de influência, elaborada e exibida nas ostentação, no excesso dos recursos e efeitos.
O extraordinário de Salomão não está no valor das coisas e sim no fato que as princesas estejam felizes, que os servos estejam felizes, pelo contato/contágio com Salomão.  E é essa felicidade aquilo que deixa a rainha de Sabá boquiaberta e a converte em uma nova zumbi/seguidora de Salomão. Ou mais uma amante...

Apesar desse efeito zumbi de Salomão possuir suas conotações mágicas e esotéricas, há toda uma base compreensível para entendê-lo. 

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