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Da guerra para a paz por meio da guerra
Em I Reis vemos de início a sucessão de
David. Há uma ambiguidade nas fontes.
II Samuel acaba por quase glorificar
David. Não há informação sobre sua morte e sucessão. Penas se fala das últimas
palavras do rei, que reforçam uma aliança com deus e luta contra os outros
povos.
Já I Reis abre com a instabilidade na
sucessão: Adonias, o filho mais velho de David, se autoproclama o novo rei,
arvorando-se como um novo Absalão, o preferido na sucessão. Daí entre em cena
uma famosa ex-mulher de David: Bateseba, mulher do oficial de David, Urias, que teve um caso com o rei. Aliás, David teve
muitos filhos com diversas mulheres. A lista está em I Crônicas 3:1-8. Com
Bateseba teve quatro. Entre eles, Salomão.
Bateseba entra na história para reivindicar uma promessa de David: que
seu filho Salomão iria sucedê-lo no trono (I Reis 1:11-53).
Mas em outra versão, a de I Crônicas, a
sucessão real é sem traumas: David convoca uma reunião com todas as autoridades
do país e apresenta Salomão como seu sucessor. Argumenta que não vai construir
o templo pois é um homem com as mãos sujas de sangue. No lugar de um soldado, o
povo vai ser governado agora por um legislador e administrador. Da paz para a
guerra. Nessa assembléia, David entrega para Salomão as plantas de todos os
prédios que deveriam ser construídos: o templo, os depósitos, salas, palácios,
etc. E também entrega um plano de organização do serviço religioso. Assim, Salomão
seria um encarregado de fazer cumprir essa herança administrativa, seria o
capataz de David. David morto, Salomão como um cumpridor das tarefas que o pai
lhe atribuiu. David afirma que seu filho é ainda jovem e sem experiência ( I
Crônicas 29:2.)
Essa outra versão é pró-David, e mostra
uma etapa pacífica na manutenção da linhagem de David, que ainda permanece como
figura tutelar da casa real.
Já em Reis I o primeiro episódio de
Salomão é o luta pela sucessão do trono, como o foco em sua mãe. Como em
Crônicas, Salomão é jovem, e não ocupa uma posição central. Mas começa
envolvido em uma série de ações discutíveis. Ele é ungido como rei por alguns
emissários de David, entre eles Benaias, que vai se tornar chefe da guarda de
Salomão. A primeira missão de Benaias é depois se livrar da oposição, matando
justamente Adonias. Essa limpeza da oposição entre os pretendentes aos trono,
como David o fizera, matando os descendentes de Saul, destoa um pouco da imagem
do rei pacífico que o texto de Crônicas procura construir. Salomão é mostrado
como uma nova etapa, um desenvolvimento da casa davídica, mas se vale dos mesmo
métodos. Benaias é o Joabe de Salomão. Os primeiros passos do governo de
Salomão são uma série de assassinatos: o jovem rei manda matar Adonias, Simei e
Joabe, antigo capitão de David. Depois dessas mortes relatadas (pode ter havido
outras...), desses expurgos, o texto afirma "E assim Salomão
controlou completamente a situação de
seu governo (I Reis 1:46)."
Em parte essas morte foram ordenadas por David
em seu leito de morte, como últimos conselhos a seus filho (I Reis 2:1-9). Mas,
no seguir da narrativa, vemos que são ações de um programa maquiavélico de
governo.
Uma característica dessas mortes relatadas
é o modo como elas são produzidas. Mesmo que haja uma finalidade puramente
estratégica nesses expurgos, um objetivo político definido, elas possuem uma
dramaturgia bem delineada:
a- Benaias é a mão que mata;
b- Salomão se apresenta como o mandatário,
mas envolvido em falas irônicas, que transferem para a própria vítima a culpa
de sua morte;
c- as vítimas não passam em testes que
poderiam alterar um destino fatal já previamente indicado.
Assim, há uma dualidade: o rei tira sobre
si a responsabilidade das ações ao atribuir às vítimas e ao executor as ações
ligadas a execução, ao mesmo tempo que aparece como alguém justo, que propôs
algo que não foi aceito pela vítima. Simei, Joabe e Adonias são variações
dessas táticas de autoafirmação de Salomão que de uma lado reforça sua imagem
como alguém envolvido em discursos inteligentes e não ações sanguinárias, mas
que por outro é tão terrível quanto seu pai.
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