4 Salomão, o estrangeiro?
A narrativa de Salomão nos coloca diante de uma figura estranha e complexa. Primeiro, ele não está na linha de sucessão real e é colocado na frente de seu meio irmão, que acaba depois morto, junto com seus apoiadores. Assim, o jovem Salomão sobe ao trono dentro de um ambiente de conspiração e golpe.
Nesse sentido, refaz a história mesma de seu pai, usurpou o trono de outra linhagem, a de Saul, e assassinou praticamente todos os sucessores. Ora, matando a linhagem de Saul e colocando-se como rei, David inaugura uma nova linhagem, e terá apenas como candidatos ao trono seus filhos. Por isso, a revolta de Absalão inaugura esse padrão de conflito interno pelo poder, do qual a disputa entre os irmãos Salomão e Adonias.
Em seguida, Salomão alia-se a figuras tidas como inimigos, estrangeiros, como o Faraó e sua filha. Salomão segue o modelo egípcio na administração e política expansionista. E constrói sua imagem como um figura laica, um sábio, com todas as suas conotações práticas e mesmo místicas. "Deus deu a Salomão sabedoria, entendimento fora do comum e conhecimentos tão grandes, que não podem ser medidos. Salomão era mais sábio do que qualquer homem do Oriente ou do Egito. Ele era mais sábio do que todos os homens. (...) Ele escreveu três mil provérbios e compôs mais de mil canções. Falou de árvores e plantas, desde os cedros do Líbano até o hissopo, que cresce nos muros. Ele falou também dos animais, dos pássaros, dos animais que se arrastam pelo chão e dos peixes. Reis do mundo inteiro souberam de Salomão e mandaram pessoas para ouvi-lo(I Reis 29-34)."
A excepcionalidade dessa sabedoria fundamenta-se nas posses, na quantidades de coisas que chegam ao seu palácio. O mundo inteiro vem para ouvir Salomão e lhe trazer coisas. Riqueza, cosmopolitismo e conhecimento articulam a trajetória do soberano. Sob a tutela do complexo palaciano pessoas, animais, plantas, objetos são reunidas, estocadas. O bestiário, a estufa, o harém, as estrebaria, os jardins, as coleções de taças e escudos, os acordos internacionais, entre outras referências, projetam a dimensão enciclopédica e acumulativa desse rei sem face, desse rei-mosaico, desse poder em todas as coisas e por meio delas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário