3.
Organizando o Estado
David fora um bandoleiro, um soldado
experimentado em guerrilhas. Saul governava como um líder tribal, no contexto
de famílias cuja subsistência eram os animais e as plantações. Já Salomão se aventura em algo mais complexo.
Para tanto, o vínculo entre sabedoria e o casamento com a filha do Faraó parece
ter sido mais que uma relação pontual de afetos e diplomacia: "Salomão fez
um acordo com Faraó, rei do Egito, casando-se
com sua filha. Ele a levou para morar na Cidade de David até que acabasse a
construção do seu palácio, e a construção do templo e das muralhas em volta de
Jerusalém (I Reis 3:1-2). " Não apenas a filha do faraó muda-se para a
capital do reino: como vemos no capítulo 4 de I Reis, temos listas de funções e
servidores da casa real, formando uma organização das atividades e das
instituições do Estado.
Temos duas listas: a primeira, menor, é a
dos altos funcionários do reino, ou, em analogia, a dos ministros do Estado:
1- Sacerdote;
2- Escrivão (contabilidade, finanças);
3- Conselheiro do rei;
4- Comandante do exército;
5- Sacerdotes;
6- Chefe dos administradores dos distritos;
7-Conselheiro particular do rei;
8- Encarregado dos serviços do palácio;
9- Encarregado dos trabalhadores forçados.
Primeiro, os nomes atribuídos aos cargos
demonstram a adesão à autoridade de Salomão. Ou seja, os que participaram do
movimento contra Adonias, o legítimo herdeiro, agora possuem suas funções no
ministério, como Benaías, que é o ministro da guerra((I Reis 4.3), e Zabude,
filho de Natã, este o sacerdote que apoiou Salomão. Agora seu filho é
conselheiro particular do rei (I Reis 4.5).
Segundo, temos o destaque para funções
diretamente ligadas ao executivo ( conselheiro do rei, conselheiro particular
do rei, encarregado dos serviços do palácio) e às extensões desse poder real (Escrivões,
Chefe administradores dos distritos, encarregados dos trabalhos forçados).
Ou seja, o poder é centralizado no palácio
real e demanda dos seus súditos uma imensa rede de 'colaborações coercitivas':
impostos. Toda essa organização do
Estado possui um custo e o programa de obras do Rei aponta para transformar o
Estado é uma máquina de arrecadação de tributos e fiscalização de seus
contribuintes. São precisos muitos
recursos para as obras de consolidação da monarquia e para custeio do Estado
mesmo.
Nesse sentido, a segunda lista, maior,
esclarece a amplitude da reorganização administrativa de Salomão: "Salomão
nomeou doze homens como administradores dos distritos de Israel. Eles
forneceriam alimentos dos seus distritos para o rei e seu palácio (I Reis 4:7)."
Ou seja,
o reino é dividido em regiões administrativas que não se confundem com
os poderes tribais. Salomão designa pessoas de sua confiança, que apoiaram sua
sucessão ao reino, para arrecadar produtos que vão sustentar o palácio e todos
que trabalham para o palácio. Dessa maneira, o poder real não apenas redefine
os poderes locais, como expande o monopólio real nas decisões que orientam os
destinos da micro-comunidades.
Organizado Estado internamente, em termos
administrativos e contábeis, a corte agora volta-se para ampliação de sua
dimensão territorial e política. O
equilíbrio entre o interno e o externo é traduzindo no texto como período de
paz e prosperidade: "O povo de Judá e Israel era tão numeroso como os
grãos da areia da praia do mar; eles comiam, bebiam e eram muito felizes. Do
reino de Salomão faziam parte todas as nações que havia desde o rio Eufrates
até a terra dos filisteus e até a fronteira do Egito. Esses reinos pagavam
impostos a Salomão e era dominados por ele durante toda a sua vida.(...)Todos
os reis a oeste do Eufrates eram dominados por ele, e ele estava em paz com
todos os países vizinhos. Durante a vida de Salomão o povo de Judá e de Israel
viveu em segurança, e de uma ponta do país à outra cada família tinha seus pés
de uvas e de figos (I Reis 4:20-21)."
Novamente observamos que a construção da
figura de Salomão passa por decisões que corroboram os interesses de manutenção
e expansão da autoridade palaciana. Senhor da vida e da morte, Salomão
estabelece a si mesmo como centro do mundo, ao integrar a submissão dos súditos
dentro e fora das fronteiras do reino. Todos em comum, dentro e fora do reino,
enviam produtos para o Palácio, fortalecendo a casa real. A casa real se mostra nos signos materiais de
seu sucesso que não passam dos meios para manter sua centralidade.
Há um vínculo muito forte em paz, prosperidade
e ausência de oposição à corte salomônica: não há dissenções internas e
externas. Todos parecem estar satisfeito com a posição que ocupam na ordem em
volta de Salomão. Mesmo as outras nações, que possuem seus próprios reis, o
texto não mostra nenhum indício de rivalidade. No lugar disso, o texto nos
informa da absurda riqueza acumulada por Salomão. Para manter uma ordem
política dessas dimensões, muitos recursos econômicos seriam necessários. Mas
no caso de Salomão há excesso por todos os lados, uma verdadeira idade do ouro:
não só há paz e prosperidade em geral, como o
Palácio mesmo acumula itens mais que o necessário para se sustentar.
Salomão no decorrer de seu governo, após
as reformas administrativas e sociais, parece inaugurar uma inesgotável maquinaria
de arrecadação infinita de recursos: quanto mais ele arrecada, mais os súditos
internos e externos produzem para o reino. As fontes de recursos parecem
infinitas. Disso, aquilo que antes era
uma finalidade de garantir a sobrevivência da máquina do Estado transforma-se
em luxo, em algo muito mais do que sua própria função: "Em Jerusalém,
durante o seu reinado, a prata era tão comum como as pedras, e havia tantos
cedros como as figueiras bravas que existem nas planícies de Judá (I Reis
10:27)." Assim, todos pareciam ter o suficiente enquanto a corte
salomônica tinha muito mais.
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