segunda-feira, 6 de junho de 2016

Análise Textual V : Organizando o Estado

3. Organizando o Estado
David fora um bandoleiro, um soldado experimentado em guerrilhas. Saul governava como um líder tribal, no contexto de famílias cuja subsistência eram os animais e as plantações.  Já Salomão se aventura em algo mais complexo. Para tanto, o vínculo entre sabedoria e o casamento com a filha do Faraó parece ter sido mais que uma relação pontual de afetos e diplomacia: "Salomão fez um acordo com  Faraó, rei do Egito, casando-se com sua filha. Ele a levou para morar na Cidade de David até que acabasse a construção do seu palácio, e a construção do templo e das muralhas em volta de Jerusalém (I Reis 3:1-2). " Não apenas a filha do faraó muda-se para a capital do reino: como vemos no capítulo 4 de I Reis, temos listas de funções e servidores da casa real, formando uma organização das atividades e das instituições do Estado.
Temos duas listas: a primeira, menor, é a dos altos funcionários do reino, ou, em analogia, a dos ministros do Estado:
1- Sacerdote;
2- Escrivão (contabilidade, finanças);
3- Conselheiro do rei;
4- Comandante do exército;
5- Sacerdotes;
6- Chefe dos administradores dos distritos;
7-Conselheiro particular do rei;
8- Encarregado dos serviços do palácio;
9- Encarregado dos trabalhadores forçados.
 Primeiro, os nomes atribuídos aos cargos demonstram a adesão à autoridade de Salomão. Ou seja, os que participaram do movimento contra Adonias, o legítimo herdeiro, agora possuem suas funções no ministério, como Benaías, que é o ministro da guerra((I Reis 4.3), e Zabude, filho de Natã, este o sacerdote que apoiou Salomão. Agora seu filho é conselheiro particular do rei (I Reis 4.5).
Segundo, temos o destaque para funções diretamente ligadas ao executivo ( conselheiro do rei, conselheiro particular do rei, encarregado dos serviços do palácio) e às extensões desse poder real (Escrivões, Chefe administradores dos distritos, encarregados dos trabalhos forçados).
Ou seja, o poder é centralizado no palácio real e demanda dos seus súditos uma imensa rede de 'colaborações coercitivas': impostos.  Toda essa organização do Estado possui um custo e o programa de obras do Rei aponta para transformar o Estado é uma máquina de arrecadação de tributos e fiscalização de seus contribuintes.  São precisos muitos recursos para as obras de consolidação da monarquia e para custeio do Estado mesmo.
Nesse sentido, a segunda lista, maior, esclarece a amplitude da reorganização administrativa de Salomão: "Salomão nomeou doze homens como administradores dos distritos de Israel. Eles forneceriam alimentos dos seus distritos para o rei e seu palácio (I Reis 4:7)."
Ou seja,  o reino é dividido em regiões administrativas que não se confundem com os poderes tribais. Salomão designa pessoas de sua confiança, que apoiaram sua sucessão ao reino, para arrecadar produtos que vão sustentar o palácio e todos que trabalham para o palácio. Dessa maneira, o poder real não apenas redefine os poderes locais, como expande o monopólio real nas decisões que orientam os destinos da micro-comunidades.
Organizado Estado internamente, em termos administrativos e contábeis, a corte agora volta-se para ampliação de sua dimensão territorial e política.  O equilíbrio entre o interno e o externo é traduzindo no texto como período de paz e prosperidade: "O povo de Judá e Israel era tão numeroso como os grãos da areia da praia do mar; eles comiam, bebiam e eram muito felizes. Do reino de Salomão faziam parte todas as nações que havia desde o rio Eufrates até a terra dos filisteus e até a fronteira do Egito. Esses reinos pagavam impostos a Salomão e era dominados por ele durante toda a sua vida.(...)Todos os reis a oeste do Eufrates eram dominados por ele, e ele estava em paz com todos os países vizinhos. Durante a vida de Salomão o povo de Judá e de Israel viveu em segurança, e de uma ponta do país à outra cada família tinha seus pés de uvas e de figos (I Reis 4:20-21)."
Novamente observamos que a construção da figura de Salomão passa por decisões que corroboram os interesses de manutenção e expansão da autoridade palaciana. Senhor da vida e da morte, Salomão estabelece a si mesmo como centro do mundo, ao integrar a submissão dos súditos dentro e fora das fronteiras do reino. Todos em comum, dentro e fora do reino, enviam produtos para o Palácio, fortalecendo a casa real.  A casa real se mostra nos signos materiais de seu sucesso que não passam dos meios para manter sua centralidade.
Há um vínculo muito forte em paz, prosperidade e ausência de oposição à corte salomônica: não há dissenções internas e externas. Todos parecem estar satisfeito com a posição que ocupam na ordem em volta de Salomão. Mesmo as outras nações, que possuem seus próprios reis, o texto não mostra nenhum indício de rivalidade. No lugar disso, o texto nos informa da absurda riqueza acumulada por Salomão. Para manter uma ordem política dessas dimensões, muitos recursos econômicos seriam necessários. Mas no caso de Salomão há excesso por todos os lados, uma verdadeira idade do ouro: não só há paz e prosperidade em geral, como o  Palácio mesmo acumula itens mais que o necessário para se sustentar.

Salomão no decorrer de seu governo, após as reformas administrativas e sociais, parece inaugurar uma inesgotável maquinaria de arrecadação infinita de recursos: quanto mais ele arrecada, mais os súditos internos e externos produzem para o reino. As fontes de recursos parecem infinitas.  Disso, aquilo que antes era uma finalidade de garantir a sobrevivência da máquina do Estado transforma-se em luxo, em algo muito mais do que sua própria função: "Em Jerusalém, durante o seu reinado, a prata era tão comum como as pedras, e havia tantos cedros como as figueiras bravas que existem nas planícies de Judá (I Reis 10:27)." Assim, todos pareciam ter o suficiente enquanto a corte salomônica tinha muito mais.

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